Dia desses acordei meio sem paciência e, para piorar, tinha muita coisa pendente para terminar e entregar. Quando estou ocupada, é justamente quando meu filho costuma precisar mais de mim (não acho que seja coincidência*) e, conforme vou ficando mais ausente da nossa relação para resolver outras coisas, mais ele cobra a presença de que necessita.
Agora pegue uma mãe que acordou sem paciência e que estava tentando se ocupar de qualquer tarefa que não fosse o filho. Junte um filho que estava tentando mostrar à mãe, repetidas vezes, que precisava dela. Adicione a isso tudo um choro e uma reclamação a cada 10 minutos, durante algumas horas. Resultado: num dos momentos em que eu estava tentando atender o pedido do Enzo e, mesmo assim, ele não parava de chorar, gritei um “para!” para ele. Não foi muito alto, mas estava cheio de raiva.
O meu descontrole, óbvio, não colaborou em nada para resolver a situação, cuja facilitadora de um acordo, em tese, deveria ter sido eu, que sou a adulta. Sou eu quem não pode (e não deveria precisar) “chilicar”, confere?
Mas eu “chiliquei”. E como primeira consequência, deixei o filho perplexo. Nunca me viu agir assim antes. Depois, assustei o pequeno ( “a mamãe fez um balulo gande e eu não gostei. O Enzo ficou com medo do balulo da mamãe”) e foi o estopim para uma nova –e ainda mais intensa– crise de choro.
#maedemerda, frustração te define.
Toda a situação é muito ruim, mas destaco aspectos especialmente frustrantes: 1) eu trabalho muito para me manter centrada e não perder a calma com o Enzo. Ele precisa que eu seja madura o suficiente para isso para que ele possa errar, “chilicar”, chorar, extravasar e lidar com as emoções. para que ele possa colocá-las em movimento, de forma livre, sabendo que esse movimento, ainda que gere choro e ranger de dentes, é aceito. É preciso que ele saiba que é permitido sentir e dar vazão às emoções que, naquele momento, bloqueiam seu pensamento, seu comportamento, sua capacidade inata de sentir-se bem.
Não significa fingir que não sinto nada ou que não fico brava ou irritada, mas lidar com esses meus sentimentos sem ser agressiva com o Enzo, mesmo que ele saiba (e ele sabe) que me senti assim ou assado. Mas eu me sentir irritada é uma coisa, agredi-lo por isso é outra. Está aí, nesse intervalo, a questão. Posso me sentir enraivecida; não posso agredir. Isso vale para mim e vale para ele, que, absorvente como são as crianças, capta e reproduz esse meu trabalho de contenção, que inclui tentar entender o que sinto, respirar, lidar com isso internamente e criar empatia com as pessoas ao redor, ao invés de jogar para elas o sentimento que me cabe. Ou seja, manter o foco na situação, estar presente e sem me vitimizar quando ele chilica.
Eu preciso estar firme para que ele também vá aprendendo que lidar com as emoções nem sempre vai requerer tanta energia nem ser desgastante como hoje é para ele. Ou seja, uma mãe que não chilica mostra ao filho o caminho do não chilicar.
Se eu “chilico” junto com ele, acaba sendo um retrocesso –ainda que momentâneo– nesse trabalho todo.
2) eu também trabalho muito esse aspecto para dar a ele segurança e confiança, para ele saber que pode contar comigo e para ele saber o que esperar de mim. Variações muito grandes no meu padrão de comportamento arranham um pouco essa confiança. Talvez esse seja um aspecto particularmente importante para mim, pois me confundi muito, quando criança, com comportamentos inconstantes e até contraditórios de outros adultos.
3) assustei meu filho. Poxa, essa parte dói. Nunca quis ser a mãe que assusta ou que se impõe pela ameaça, seja do tipo que for. Foi um grito de “desabafo”, não tinha intenção de ameaçar. Mas assustou, ameaçou, causou esse efeito nele.
4) Enzo se sentiu culpado pela meu descontrole (outra coisa que dói, viu?). Me disse que “a mamãe fez o balulo gande porque o Enzo estava cholando“. Como explicar para uma criança tão pequena que a perda de controle nunca é responsabilidade de outra pessoa senão de quem…perdeu o controle? Falei muito com ele sobre isso, reforçando que eu —e não ele– era responsável, mas sei lá, né? A impressão que também ficou –e que era de se esperar, dado o contexto– para o pequeno foi a relação mais óbvia de causa-efeito que podia fazer: “eu chorei, mamãe ficou brava e gritou”.
Logo depois do episódio, quando ele ainda estava chorando muito, consegui retomar meu processo de “centralização”, digamos assim, de voltar ao eixo, e me acalmei, limpei o processo emocional que me tomava e pude ficar livre para lidar com o processo do pequeno. Essa é a chave, mas não é fácil. Parece simples e rápido, mas demanda um esforço enorme deixar aquelas emoções saírem. Tem que querer muito. Porque a gente se apega às emoções, parece. A gente está com raiva, por exemplo, e, ao invés de lidar com aquilo para que se resolva rapidamente, vamos alimentando, alimentando (oposto nas crianças. A Ana Thomaz chama a atenção para uma coisa que é a fluidez de emoção nas crianças. Eles sentem o que tem que sentir e deixam fluir. Em segundos já estão amando quem odiavam segundos antes. A gente faz o oposto disso).
Foi então que pude oferecer apoio ao choro dele, ficar só com ele, presente, apenas ouvindo ele chorar. Durou uns três minutos talvez.
Aí então conversamos, pedi desculpas e tentei explicar que perdi a paciência, que isso acontece e que a responsa era só minha. O lado bom disso foi essa conversa e a retomada da conexão entre a gente na sequência. Conseguimos, a partir disso, reverter o estado de espírito conflituoso com o qual iniciamos o dia. E Enzo ficou muito mais tranquilo depois, a ponto de o marido notar, quando chegou em casa.
Outra coisa bacana: notar que o pequeno está amadurecendo emocionalmente e que é muito capaz de expressar com clareza seus sentimento (como de fato fez), mesmo quando a mãe perde o rumo, mesmo quando ele está enfrentando sozinho uma crise emocional. Enquanto eu tinha chilicado, Enzo estava, ainda que chorando, tentando me trazer pro diálogo. Foi o que fez, por exemplo, quando me disse que se assustou com meu grito.
O Carlos González sempre diz, e isso meio que virou meu mantra e me veio imediatamente à cabeça naquele momento, que não trataríamos nenhum adulto da forma como tratamos as crianças. No meu caso, significa dizer que eu provavelmente jamais gritaria com alguém do meu tamanho como gritei com meu próprio filho. Para refletir.
* As crianças se ressentem rapidamente da falta de conexão com os pais ou cuidadores e expressam esse sentimento da maneira que conhecem. Não é à toa, portanto, que, quando estamos mais atarefados e menos disponíveis, é justamente quando as crianças parecem ficar mais exigentes e requisitantes.
Sobre o tema “conexão” especificamente, recomendo o blog Conexão Pais e Filhos, do pai de dois Marcelo Michelsohn, e o site Hand in Hand Parenting –para quem lê em inglês– da educadora estadunidense Patty Wipfler. Estou aprendendo que conexão –ou a falta dela– tem muito mais implicações em comportamentos “naturais” das crianças do que eu imaginava.
PS: sei lá o que deu no wordpress hoje, mas não estou conseguindo criar nenhum hiperlink. Então, no melhor estilo analógico, vou colocar os endereços dos sites que citei aqui. Conexão Pais e Filhos: http://conexaopaisefilhos.com/ e Hand in Hand Parenting: http://www.handinhandparenting.org/