Arquivo da tag: disciplina

home + baby + office

A semana passada foi punk: um prazo apertadíssimo, uma matéria complicada sobre um assunto do qual eu entendia pouco, um calor horrível que deixava Enzito praticamente insone ao longo do dia (o que empacava demais o trabalho), dentinhos e mais dentinhos nascendo e incomodando pacas a cria (o que também empacava demais o trabalho). Resumo da ópera: dormi 12 horas em cinco dias, sendo que de quinta pra sexta, foram duas horinhas de sono apenas, das 6h às 8h da matina.

Trabalho em casa, sou repórter frilancer e já levava essa vida bem antes de engravidar. Deixei a redação no final de 2009, um ano e meio antes, portanto, de parir meu filho. E, confesso, foi providencial. Porque não imagino como seria minha relação com Enzo se, aos 4 meses dele, eu tivesse de voltar à rotina que eu tinha na redação: entrar às 10h para não ter hora pra sair, chegando em casa frequentemente depois das 23h. Eu mal veria meu filho, não teria condições de cuidar dele nas mínimas coisas (nem mesmo dar um banho), não acompanharia nada do seu desenvolvimento, seríamos quase estranhos a dividir a mesma casa. E um dia eu levaria um susto: “putz, você já fala?”

Logo que ele nasceu, no entanto, a rotina do “home office” mudou radicalmente, o que é natural e esperado. Eu já sabia que não conseguiria trabalhar no mesmo ritmo de antes. E fui me ajeitando, trabalhando nos intervalos das mamadas, trabalhando quando ele dormia, quando se distraía, quando umas das avós vinha visitar a gente ou à noite, depois que Dri chegava do trabalho. E deu certo. Mesmo no primeiro mês eu trabalhei, pois Enzo adiantou 15 dias e nasceu bem no meio da conclusão de uma matéria, de modo que na maternidade eu tive de fazer entrevistas e, em casa, segui apurando e escrevendo, contando muito com o marido, que estava de férias.

Dei por garantido o sucesso do trabalho em casa com filho.

Mas acontece que conforme Enzo cresce, mais e mais ele precisa de atenção, passa menos tempo dormindo, se distrai menos com bobagens e procura, cada vez mais, “emoções”: ficar sentadinho no sofá é pouco, mexer nos brinquedinhos de bebês é pouco; ele quer mesmo é escalar o armário, alcançar o lustre, abrir as portas das coisas, mastigar minha caneta, digitar no computador e atender o telefone. Resultado: cada vez menos tempo para eu efetivamente trabalhar.

Não que eu esteja reclamando. Esse arranjo é o melhor para nós, sigo tendo a certeza de que somos -Enzo e eu- privilegiados pela possibilidade de estarmos juntos o dia todo, de eu estar presente o dia todo, cuidando de tudo o que diz respeito a ele e, ainda assim, manter minha vida profissional razoavelmente em ordem.

Mas confesso que é preciso uma boa dose de esforça e boa vontade pra coisa andar. Estou tendo de reorganizar um monte de hábitos, por exemplo. E, com o teste da semana passada (sim, porque foi a primeira vez em que eu praticamente tive de trabalhar em ritmo de redação novamente desde que Enzo nasceu), aprendi um bocado de coisas, que podem ajudar quem pensa em optar por trabalhar em casa:

-Admitir que trabalhar em casa com um bebê pequeno é viver muito mais o home que o office: isso é importante para o planejamento, para ter ideia de quantas horas de fato sobram livres para me dedicar ao “office”. Mas, mais que isso, é essencial para diminuir a ansiedade e a cobrança. Quando se tem um prazo, um trabalho para entregar, alguma coisa para fazer, é complicado ficar passeando pela casa com o bebê sem se cobrar, sem pensar um “que-que-eu-tô-fazendo-meodeos”. E isso não ajuda nada, pois nem bem eu me dedico ao Enzo, nem bem me dedico ao trampo. Menos cobranças, pois, e melhor medida do tempo. O que me leva ao segundo aprendizado:

-O expediente não é mais o mesmo: antes, quando eu pensava em “x” dias para o fim do prazo, tinha uma ideia de quanto isso me renderia de trabalho, ainda que não precisasse fazer a conta em horas. Só que trabalhar com esse timing na cabeça é perder o prazo na certa, pois, na prática, a gente trabalha bem menos do que gostaria/deveria por dia, especialmente conforme os filhos crescem. A verdade é que, no sistema “home office”, o trabalho vira o lazer, sabe como? Você acaba cumprindo seus deveres nos INTERVALOS entre o almoço da cria e a mamadeira, entre trocar a milésima fralda e dar uma volta com o bebê no sol, entre entreter o bebê com uma tampa de panela e tentar embalá-lo pro próximo soninho. Além disso, estou tendo de me acostumar: trabalhar à noite ou na madrugada virou meu segundo nome.

-Foco, foco, foco: já disse que sou caótica? Pois é, sou caótica. E isso significa uma tendência a fazer zentas coisas ao mesmo tempo. Mas estou tendo de me curvar a esse tal foco, essa palavrinha amanda pelos autores de autoajuda, que eu tanto criticava. Porque é imprescindível aproveitar o (pouco) tempo livre para o trabalho apenas trabalhando. Daí que não leio mais jornal online, não tuito durante o dia (às vezes, no horário do almoço, mas bem às vezes), não navego na internet, nada. E é essencial que se esteja com o dia todo planejado para não se perder tempo de trabalho organizando ou decidindo, na hora, o que fazer.

-Pensar hoje o que se pode fazer amanhã: não dou o dia por encerrado antes de colocar na agenda direitinho o que terei de fazer no dia seguinte. É bom para ter um roteiro a seguir e, na hora em que baby dorme, ir direto ao ponto. E também ajuda a não botar coisas demais na agenda que não serão cumpridas. Comecei a planejar a semana, ao invés de só o dia, coisa que NUNCA fiz antes. Mas é importante para ver se  prazo será ou não factível.

-Não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje: procrastinação, essa coisa delícia da vida, na qual, confesso, era viciada, virou história. E esse conselho de pai, essa coisa chatinha de fazer tudo na hora, virou mantra. Se alguma coisa que eu deveria ter feito ontem sobrar pra hoje, putz, complica e muito a vida.

-Mães à mão: para quem tem esse privilégio, é sempre bom deixar as nossas mães de sobreaviso. Às vezes, não tão raramente quanto eu gostaria, é necessário pedir uma ajuda, nem que seja coisa de duas horinhas. Minha sogra mora longe, minha mãe trabalha, de modo que não é tão simples assim contar com elas, mas eu já precisei diversas vezes, e a ajuda delas foi essencial, inclusive, na semana passada. Para quem não tem parentes por perto e com disponibilidade de tempo, sugiro uma babá daquelas que cobram por hora e geralmente cobrem folga. Não é fácil de achar, a gente não tem tradição em baby sitter , mas é bom ter alguém de confiança na manga, pro caso das coisas não saírem como o esperado.

-Disciplina: não ia falar dela de novo. Odeio essa coisa autoajuda de “discipline-se”. Mas acontece que, na prática, ela é um pressuposto. Trabalhar em casa é depender 110% de si próprio e de suas escolhas em relação ao seu tempo. A tentação é grande, ainda mais com um bebezico fofo querendo abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim. E com uma rotina de mãe tão extenuante, fica fácil querer deixar pra lá alguma alguma tarefa que parece desimportante, mas que, no fim das contas, vai fazer falta.

Tem outras coisas úteis, que eu recomendo ter/checar/ponderar:

-Tecnologia: computador que funcione, internet que funcione, telefone que funcione. Se alguma dessas coisas der pau, não tem “mocinho da tecnologia” para resolver em cinco minutos e botar na conta da firma.

-Acessórios: para quem, como eu, precisa do telefone o dia todo, vale a pena pensar em comprar aqueles head sets de telefonistas, que deixam as mãos livres. Fios longos também ajudam, pois é preciso se movimentar muito, às vezes com bebê no colo, às vezes indo atrás do bebê. Notebook e internet sem fio dão mobilidade. Úteis, pois.

ABRE PARÊNTESE: Licença-maternidade decente já e licença-paternidade decente já. É assunto pra um outro post, que prometo pra breve, mas sempre gosto de lembrar que a imensa maioria das mães e dos pais não têm esse privilégio de optar por trabalhar em casa. Acho que temos -pais e mães- de pensar nisso coletivamente, não apenas nos arranjos possíveis pra nós, mas em como alcançar arranjos melhores para a maioria. E isso passa não apenas pelas licenças (4 meses é pouco, 5 dias é nada), mas por condições de trabalho adequadas, por creches nas firmas, por creches públicas decentes, por programas de trabalho especiais para pais e mães, por trabalho meio-período para pais e mães e pela extensão de benefícios a pais, de modo a diminuir preconceito contra mulheres em idade fértil e colaborar para equiparar nossos salários, uma vez que ainda ganhamos  menos que os meninos em igual cargo (entre 30% e 40% menos, dependendo da fonte). FECHA PARÊNTESE.

Por outro lado, ficar em casa pode parecer A maravilha das maravilhas, mas não é. Tem prós que pesam muito, como acompanhar o filho, especialmente nessa fase de bebê, em que os pais são essenciais até pra formação emocional saudável. É bacana também, por exemplo, poder sair pra dar uma volta com Enzo numa tarde de sol, quando as coisas estão tranquilas. Mas faz falta se arrumar pra trabalhar, encontrar gente, falar com gente, aquele tempinho gostoso lendo no metrô, conversas no cafezinho, sair pra beber umas depois do expediente, resolver as coisas com os chefes olho no olho (e-mail/telefone sucks), reunião de pauta olho no olho, olho no olho, enfim. Eu pesei bem tudo isso e fiz uma escolha que acho consciente, o que diminui a pressão da frustração, que acaba aparecendo aqui e ali.

1 comentário

Arquivado em Maternidade, profissão